Novo museu de São Paulo visa educar não judeus sobre o significado de ser um judeu brasileiro

Vista da fachada da sinagoga transformada em museu em São Paulo, Brasil. (Cortesia do Museu Judaico de São Paulo)

Passeando pela Rua Martinho Prado, no centro de São Paulo, é difícil perder o Temple Beth-El. O pequeno edifício hexagonal, adornado com escrita hebraica nas paredes, que permaneceu quase inalterado desde a sua inauguração em 1932, destaca-se na rua ladeada por modernos edifícios altos.

O templo, que está vazio desde seu último serviço religioso em 2007, ganhou vida nova e foi transformado no Museu Judaico de São Paulo, com inauguração prevista para 5 de dezembro. Será a maior instituição do Brasil dedicada ao a história da vida judaica do país.

Cada um dos cinco andares do museu tem um tema diferente.

“A primeira coisa que você vê logo ao entrar no saguão é uma peça que explora o que significa ser judeu”, explica Sergio Simon, presidente do museu. Essa pergunta, disse Eduardo Lifchitz, professor de hebraico e inglês de 34 anos do Rio de Janeiro, é importante no Brasil, onde ele disse: “As pessoas não sabem o que significa ser judeu”, disse ele.

“Muitas vezes, a imagem que vem à mente das pessoas é a imagem de uma pessoa ultraortodoxa, mas elas nunca pensam em pessoas como [personalidades populares da TV brasileira] Luciano Hulk, Silvio Santos ou mesmo Natalie Portman”, disse Lifchitz. “As pessoas precisam saber sobre eles.”

Embora nenhum censo tenha ocorrido em mais de 50 anos, Simon estima que haja 120.000 judeus no Brasil, com cerca de 60.000 em São Paulo e 30.000 no Rio de Janeiro. O restante é distribuído em todo o país. São Paulo abriga vários clubes judaicos, escolas, uma federação e o Hospital Israelita Albert Einstein, considerado um dos melhores hospitais da América do Sul.

O prédio agora está fervilhando de atividades em preparação para a próxima inauguração, mas “foi um processo muito lento no início”, disse Simon. Quando ele assumiu a tarefa de transformar a antiga sinagoga, em 2004, a água da chuva estava vazando e as plantas começaram a invadir as paredes.

O objetivo da equipe era restaurar a sinagoga para combinar com sua aparência original de 1932 e adicionar uma extensão de vidro de quatro andares na lateral. Eles também fizeram um esforço para restaurar os vitrais da sinagoga, o que exigiu o contato com o fabricante original nos Estados Unidos.

O interior do museu está em reforma há mais de uma década. (Cortesia do Museu Judaico de São Paulo)

No segundo andar, os visitantes chegam a uma exposição sobre a história do Templo Beth-El, que inclui fotos históricas de sua construção e inauguração no início dos anos 1930. Na cúpula que se eleva sobre a sinagoga, uma apresentação de slides retrata a história da comunidade judaica brasileira, por meio de fotos de imigrantes projetadas no teto.

Um deles é o pai de Simon, que imigrou da Alemanha.

“É como se eles estivessem olhando para as pessoas que visitam a exposição”, disse ele. “Isso acabou melhor do que eu esperava.”

As paredes da sinagoga transformada em museu estão cobertas com explicações sobre feriados judaicos e eventos do ciclo de vida, e sobre o que costumava servir como altar da sinagoga, os organizadores colocaram rolos da Torá e livros sagrados, alguns datando dos séculos 16 e 17. Haverá também “uma Torá virtual que as pessoas podem usar no altar e ela explicará como ler a Torá e as instruções sobre como usar o yad”, ou ponteiro de leitura da Torá, Simon acrescentou.

Esse nível também cobre questões judaicas dos dias modernos, como conversão, casamento inter-religioso, o papel da sexualidade e identidade de gênero no judaísmo e B’nei Anusim – um movimento de brasileiros nativos que acreditam ser descendentes de judeus europeus.

A ênfase é colocada na educação de brasileiros não judeus.

“O Brasil é um país muito católico”, disse Augusto Chagas, um analista de risco não judeu de 36 anos em São Paulo, que expressou seu desejo de visitar o museu assim que ele for inaugurado. “Muitas vezes não sabemos muito sobre outras religiões.”

Chagas disse que sua educação judaica foi focada principalmente no Holocausto. Uma vez, em um avião para a cidade de Nova York, ele viu um homem judeu tomando tefilin e não sabia o motivo por trás disso. Chagas espera que a visita ao museu seja uma oportunidade para aprender mais sobre esses rituais religiosos e até mesmo as tradições culinárias.

O andar favorito de Simon está localizado abaixo e é dedicado à história dos judeus no Brasil.

“Muitas pessoas acreditam que os judeus vieram para cá por causa da Segunda Guerra Mundial”, disse ele, “mas, na verdade, os judeus chegaram ao Brasil já no século XVI”.

Os primeiros imigrantes no Brasil eram em grande parte criptojudeus, também conhecidos como marranos ou cristãos-novos, que foram forçados durante a Inquisição espanhola e portuguesa a praticar o judaísmo em particular, enquanto mantinham uma imagem pública cristã. As duas primeiras exposições temporárias do museu serão sobre a inquisição portuguesa no Brasil, que terminou há apenas 200 anos. Entre 1560 e 1821, muitos cripto-judeus foram presos e enviados de volta a Portugal para serem mortos.

“A exibição incluirá até instrumentos de tortura e roupas dos inquisidores”, disse Simon, “embora estejamos limitando o número de instrumentos de tortura em exibição para não tirar o foco”.

Também neste andar estão exposições que retratam as primeiras instituições comunitárias judaicas do Brasil, que datam de 1910, quando ondas de imigrantes judeus, principalmente da Rússia e da Ucrânia, começaram a chegar ao Brasil, criando cemitérios judeus, hospitais, escolas e cooperativas de crédito. No início, as instituições judaicas localizavam-se no bairro do Bom Retiro, a 20 minutos de metrô do museu.

(Cortesia do Museu Judaico de São Paulo)

“Nesse bairro, a vida era totalmente judaica. Tudo foi escrito em iídiche e hebraico. Iídiche era falado nas ruas “, disse Simon.

Embora o bairro tenha dado lugar a uma influência mais coreana nos últimos 30 anos, um legado judaico vive em vários edifícios e escolas judaicas ainda presentes na área.

O museu também aborda o Brasil durante e após o Holocausto.

“O governo brasileiro era amigo de Hitler”, observou Simon. “E o maior partido nazista fora da Alemanha estava localizado aqui no Brasil.”

Depois da guerra, muitos judeus vieram para o Brasil como refugiados – assim como muitos nazistas alemães. Um exemplo famoso é Josef Mengele, o infame médico nazista também conhecido como o Anjo da Morte, que se mudou para a América do Sul após a guerra.

Os dois níveis finais são dedicados ao estado moderno de Israel e ao amor judaico pela palavra escrita, incluindo a língua hebraica.

Com o dia da inauguração se aproximando, os membros da comunidade judaica de São Paulo estão entusiasmados com seu potencial.

Ariel Lebl, um judeu de 32 anos que trabalha com arrecadação de fundos em São Paulo, vê o museu como uma chance de chegar aos residentes não judeus e construir pontes entre as comunidades.

“Será um ótimo lugar para receber líderes políticos, acadêmicos e crianças de escolas próximas”, disse ele. “Trata-se de conectar as pessoas ao conteúdo que elas normalmente não veriam.”

Ele acrescentou: “[O templo] costumava ser um lugar apenas para o povo judeu, e agora é um lugar judeu para todos”.


Publicado em 07/11/2021 07h02

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