Planos de Israel para atingir a estrutura nuclear iraniana: existe uma ‘mosca na sopa’ chamada Rússia?

Mísseis russos (ilustração)

#Rússia 

Israel deve levar em conta as crescentes ameaças da Rússia para restringir ataques preventivos israelenses contra o Irã. Opinião.

Para Israel, mesmo após sucessos recentes em operações complexas de autodefesa, é hora de forjar uma “dialética estratégica” abrangente. Com certeza, os planejadores de segurança mais capazes de Jerusalém já estão “no trabalho”, mas ainda resta pelo menos um fator aparentemente indecifrável: a credibilidade das crescentes ameaças da Rússia para deter ataques preventivos israelenses contra o Irã.

Embora não possa haver uma maneira científica ou baseada em lógica para avaliar completamente tais ameaças russas (extraordinárias porque dizem respeito a eventos que seriam historicamente únicos ou sui generis), o Estado judeu ainda não terá escolha a não ser chegar a conclusões operacionalmente úteis.

Para Jerusalém, haverá cenários múltiplos e potencialmente interseccionais. Nesses casos assustadores, os danos potenciais totais seriam sempre maiores do que a soma calculável de suas “partes” constituintes. Entre outras coisas, essa métrica cumulativa poderia sinalizar uma exposição ampliada e potencialmente irreversível aos danos infligidos pela Rússia, que poderiam ser autenticamente existenciais.

Reduzido ao essencial, o pior cenário para Jerusalém começaria com ameaças adicionais e progressivamente mais explícitas de Moscou sobre as preempções israelenses contempladas. Israel, totalmente ciente de que não poderia esperar razoavelmente coexistir indefinidamente com um Irã nuclear, seguiria em frente com suas preempções planejadas, apesar dos avisos russos. Em resposta, as forças russas (aéreas, terrestres, marítimas) começariam a agir diretamente contra Israel (como estão agindo atualmente contra a Ucrânia), buscando persuadir Jerusalém de que Moscou está em uma posição plausivelmente superior para dominar quaisquer escaladas imagináveis.

Essa persuasão não deve ser uma “venda difícil” para Putin. A menos que os Estados Unidos entrassem imediatamente na situação em apoio inequívoco a Israel, Moscou não teria nenhuma dificuldade previsível em estabelecer “domínio de escalada”.

Os Estados Unidos demonstrariam tal disposição crível, um compromisso que poderia colocar seu pequeno aliado em uma posição historicamente sem precedentes de vulnerabilidade? Na maior parte, a resposta estaria no caráter e nas inclinações do novo presidente americano. Se esse líder nacional e internacional aceitasse os benefícios de longo prazo de honrar os acordos de aliança dos EUA, o mundo poderia estar olhando para outra Crise dos Mísseis Cubanos ou algum confronto semelhante. Se não, Jerusalém não teria escolha real a não ser enfrentar um Irã nuclear.

Haverá emissores importantes da doutrina nuclear. Em sua contínua guerra de agressão e genocídio contra a Ucrânia, Vladimir Putin tem reciclado elementos provocativos do pensamento estratégico da era soviética. Um elemento especialmente crítico diz respeito à ausência de qualquer “corta-fogo” presuntivo ou codificado entre os engajamentos de força nuclear convencional e tática. Agora, assim como foi durante a era soviética “clássica” de dissuasão nuclear, Moscou identifica abertamente o limiar de escalada determinante com um primeiro uso de armas nucleares estratégicas de alto rendimento e longo alcance, não com qualquer primeiro uso de armas nucleares táticas (de teatro).

Essa perigosa doutrina de escalada não é compartilhada pelo aliado de Israel, os Estados Unidos, e pode corroer barreiras estabilizadoras de dissuasão intraguerra entre as superpotências. Seja repentina ou incremental, qualquer erosão desse tipo pode impactar a plausibilidade de uma guerra nuclear deliberada e inadvertida. Aqui, como Israel pode precisar depender do apoio dos EUA para combater as ameaças nucleares russas, Vladimir Putin deve ocupar um lugar central nas avaliações de ameaças de Israel sobre o progresso nuclear iraniano.

Para Israel, o ponto principal dessa avaliação é a obrigação de trabalhar todas as complexidades da opção de preempção, não importa quão “densas”. Chegar a um julgamento racional sobre o lançamento de primeiros ataques defensivos contra um Irã ainda pré-nuclear exigirá antecipações cuidadosas de (1) envolvimento russo e/ou norte-coreano; e (2) disposição dos Estados Unidos de apoiar Israel in extremis; isto é, quando todos os adversários ativos estão lutando pelo “domínio da escalada”.

Para Israel, talvez mais do que qualquer outro fator decisório, evidências convincentes do apoio russo à nuclearização em andamento do Irã podem representar uma “mosca na sopa” venenosa. Junto com certas outras ameaças potencialmente letais da Coreia do Norte, que já é nuclear, essa “toxina” latente justifica atenção contínua em Jerusalém.


Sobre o autor

LOUIS RENÉ BERES é professor emérito de Ciência Política e Direito Internacional na Universidade Purdue. Educado em Princeton (Ph.D., 1971), ele é autor de doze livros importantes que tratam de relações internacionais, estratégia militar e assuntos mundiais. O Dr. Beres nasceu em Zurique em 31 de agosto de 1945 e dá palestras e publica amplamente sobre questões de terrorismo, contraterrorismo, estratégia nuclear e guerra nuclear. Ele foi consultor de diversas agências governamentais em questões de segurança nacional e é colaborador de importantes jornais e revistas americanos, europeus e israelenses. O último livro do professor Beres é Surviving Amid Chaos: Israel”s Nuclear Strategy (2016; 2ª ed. 2018). https://paw.princeton.edu/new-books/surviving-amid-chaos-israel%E2%80%99s-nuclear-strategy


Publicado em 22/10/2024 03h10


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