Normalização com Erdogan? Confie mas verifique

Presidente turco Recep Tayyip Erdogan em Ancara, | Foto do arquivo: Serviço de Imprensa Presidencial via AP

Se Israel se mover em direção a uma reaproximação diplomática oficial com a Turquia, deve manter a integridade das alianças que fez com a Grécia, Chipre, Egito e os Emirados Árabes Unidos, e Ancara não pode ter uma base mais profunda em Jerusalém.

Aparentemente, nunca saberemos se o caso Oknin foi um evento isolado catalisado por um humilde policial turco ou uma emboscada planejada com antecedência pela inteligência turca. Apesar de tudo, agora é a hora de tirar conclusões.

No rastro do caso, podemos dizer definitivamente que um precedente perigoso foi estabelecido em termos de segurança nacional israelense, e que vários países talvez pudessem agora adotar uma estratégia de “enquadrar” israelenses inocentes para explorar cinicamente o desejo de Israel de proteger seus cidadãos. Essencialmente, essa nobre política israelense é percebida por muitos países como uma fraqueza que lhes permite extorquir o estado judeu para obter ganhos diplomáticos, sociais ou estratégicos.

Em retrospecto, é seguro dizer que, ao estender a prisão preventiva do Oknin sob custódia turca, Ancara empregou essa mesma tática. A Turquia viu a identidade judaica e israelense de Oknin como um ponto de pressão para pressionar Israel. Ao fazer isso, Ancara pretendia fechar um círculo que, em sua opinião, permanecera aberto no mês anterior.

Como um lembrete, a Turquia acusou o Mossad de administrar uma rede de espionagem em seu território. Os membros dessa suposta rede – palestinos e sírios sem cidadania israelense – supostamente rastrearam membros do Hamas na Turquia e relataram suas atividades a seus supervisores israelenses. Ao contrário do caso Oknin, o “caso Mossad” foi manchete de ponta a ponta na Turquia. Quando as autoridades em Ancara exigiram explicações claras de seus colegas israelenses, Israel optou por ignorar. Parece que essa conduta foi percebida por Ancara como uma humilhação diplomática. Esse foi o pretexto preciso, aparentemente, para a decisão de Ancara de usar a prisão do casal Oknin como um meio de extrair de Israel o que eles queriam do “caso Mossad”.

Agora, após a conclusão do caso, várias autoridades israelenses estão enfatizando que Jerusalém não fez nenhuma concessão diplomática à Turquia. Talvez seja verdade, o tempo dirá. O silêncio da imprensa turca sobre o assunto, entretanto, implica que a manobra de Ancara não pretendia angariar o favor público, mas sim algo mais importante e tangível na esfera da inteligência. O próprio fato de o chefe do Mossad, David Barnea, estar envolvido no caso, e de ter conseguido garantir a libertação do Oknin, reforça a avaliação de que se tratava de uma questão de inteligência pura e simples.

O que então a Turquia poderia ter desejado de Israel? Considerando os pontos óbvios de atrito diplomático entre os dois países, há uma chance razoável de que as demandas da Turquia se concentraram principalmente em quatro áreas principais: atividade do Hamas na Turquia e atividade turca em Gaza, Judéia e Samaria e Jerusalém. Se e quando tal acordo for feito, Israel poderia concordar em cessar as operações em solo turco, inclusive por meio de vários “subcontratados”.

Enquanto isso, podemos presumir que Israel concederá plena liberdade de atividade às ONGs turcas, que, por sua vez, desejam se entrincheirar ainda mais na Judéia, Samaria e Gaza. Conceder-lhes tal permissão em Jerusalém seria um grave erro em termos de interesses israelenses, visto que essas ONGs já estão trabalhando – abertamente – contra a “judaização de Jerusalém”. Juntamente com o aspecto humanitário, existe a preocupação de que a Turquia busque substituir o Egito como mediador de fato entre o Hamas e Israel em uma possível troca de prisioneiros – e até mesmo para encerrar futuras rodadas de conflito. Conceder tal status à Turquia seria um erro estratégico da mais alta ordem.

Levando em consideração o telefonema de quinta-feira entre o presidente turco Recep Tayyip Erdogan e o presidente Isaac Herzog e os desenvolvimentos potenciais, é de fato possível que Israel queira normalizar as relações. Embora a normalização no papel seja considerada algo positivo e necessário para a segurança de Israel, os tomadores de decisão em Jerusalém precisam estar cientes dos efeitos colaterais da normalização com Ancara. Ou seja, Israel precisa manter a integridade das alianças que fez com a Grécia, Chipre, Egito e Emirados Árabes Unidos. Os líderes israelenses precisam entender que o estado judeu não é mais o mesmo país isolado que era em 1948. Israel está mais forte hoje do que nunca. Portanto, qualquer movimento em direção à normalização com a Turquia é muito bem-vindo, se de fato a normalização real servir aos interesses imediatos do país.


Publicado em 21/11/2021 22h27

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